Novas formas de conhecer o cérebro
Pesquisadora da UFABC com touca usada para registrar as atividades cerebrais enquanto pratica música
Léo Ramos Chaves
Quem esteve presente no auditório do Hospital Israelita Albert Einstein, em São Paulo, no dia 26 de janeiro, assistiu a uma experiência relacionada à música bem diferente dos concertos tradicionais. Em um pequeno telão houve a projeção para uma plateia de 429 alunos e 71 professores do ensino médio de imagens do cérebro da médica Alicia Kowaltowski, do Instituto de Química da Universidade de São Paulo (IQ-USP), e da neurocientista Patrícia de Carvalho Aguiar, pesquisadora do Instituto do Cérebro do Einstein, enquanto elas tocavam violino e violoncelo, respectivamente. O espetáculo foi idealizado pelo estatístico e neurocientista João Ricardo Sato, professor do Centro de Matemática, Computação e Cognição da Universidade Federal do ABC (UFABC). Há algum tempo Sato pesquisa como a tecnologia de Espectroscopia no Infravermelho Próximo (fNIRS) pode ser usada para registrar múltiplas atividades cerebrais e explorar processos de ensino e aprendizagem. A mesma tecnologia é usada por ele e outros pesquisadores da UFABC para estudar a cognição musical à luz da neurociência. No evento do dia 26, cérebro, música e educação convergiram em um grande espetáculo.
A tecnologia de fNIRS consegue monitorar variações nos níveis de oxigenação em áreas cerebrais com a pessoa em movimento, um experimento inviável há algumas décadas. Para obter esse tipo de informação, o indivíduo precisava entrar em um equipamento de ressonância magnética e ficar com a cabeça imóvel por algum tempo. Com o desenvolvimento de novas tecnologias de espectroscopia funcional portáteis, tornou-se possível mapear a atividade neuronal enquanto os participantes se movem naturalmente, desempenhando atividades diversas.
Em um de seus estudos, publicado em outubro de 2018 na revista científica Frontiers in Psychology, Sato e colaboradores usaram a tecnologia de fNIRS para testar a correlação entre a atividade de áreas cerebrais de um professor e de um aluno durante uma interação em contexto educacional. Eles identificaram uma conexão funcional entre áreas do cérebro do professor e do aluno. “Nosso achado pode prover uma forma inovadora de investigar e entender o processo de ensino e aprendizagem”, sugere.
A apresentação de janeiro no Einstein fazia parte do curso de neurociência, evento preparatório para a Olimpíada de Neurociências de São Paulo (BrainBee), que selecionará três representantes paulistas para a etapa nacional, a ser realizada em março. Quem vence a etapa nacional participa da competição internacional, que este ano será na Coreia do Sul. A BrainBee em São Paulo está em sua quinta edição, desde 2015. De lá para cá, a competição não parou de crescer: 53 alunos de 12 escolas se inscreveram na primeira vez. Em 2018, esse número estava em 278 estudantes de 65 escolas. Estudantes de 14 a 19 anos podem participar.
O neurocientista Sérgio Gomes da Silva, pesquisador do Instituto Israelita de Ensino e Pesquisa Albert Einstein, foi o responsável por convencer o hospital a sediar e financiar a realização da BrainBee em São Paulo. A competição foi criada em 1998 nos Estados Unidos por iniciativa do neurocientista Norbert Myslinski, da Universidade de Maryland. Com o tempo, expandiu-se para outros países. Existem hoje cerca de 160 coordenadores de Olimpíadas de Neurociências distribuídos em comitês locais por todo o mundo. O objetivo é selecionar os participantes da competição mundial.
Um aspecto inovador da etapa paulista é que, para participar, os alunos precisam estar acompanhados de pelo menos um professor, uma espécie de tutor que segue o estudante durante todo o processo de avaliação – inclusive na competição nacional e internacional, caso avance. “Queremos transformar esses professores em agentes multiplicadores, capazes de voltar para suas escolas e despertar o interesse dos alunos por assuntos ligados à neurociência”, explica Gomes da Silva.
A maioria dos estudantes e professores sabe pouco sobre o cérebro. “Para prepará-los, indicamos livros e filmes e disponibilizamos material didático para download”, conta o pesquisador. Em seguida, eles participam do curso de neurociência, por meio do qual entram em contato com a área em palestras com neurocientistas de instituições de pesquisa de todo o país. A bioquímica Daniela Martí Barros, professora aposentada do Instituto de Ciências Biológicas da Universidade Federal do Rio Grande (Furg), no Rio Grande do Sul, foi uma das convidadas para falar no curso preparatório de 2019. Em sua palestra, tratou das moléculas responsáveis pela comunicação entre as células do sistema nervoso.
“Queremos transformar esses professores em agentes multiplicadores, capazes de voltar para suas escolas e despertar o interesse dos alunos por assuntos ligados à neurociência”, diz Gomes da Silva
Diante do bom desempenho nas duas competições, ela resolveu, ainda durante o ensino médio, no colégio Etapa de Campinas, fazer um projeto de iniciação científica júnior sobre epilepsia infantil. Caroline Magalhães o enviou para a médica geneticista Iscia Lopes-Cendes, coordenadora do Laboratório de Genética Molecular da Faculdade de Ciências Médicas da Unicamp, que aceitou orientá-la informalmente. Após concluir sua pesquisa e o ensino médio, a jovem foi convidada pelo Etapa a fazer tutoria para estudantes que pretendiam participar da BrainBee. A experiência, no entanto, durou pouco. Meses depois ela foi admitida na Universidade Columbia, nos Estados Unidos, para onde se mudou em 2018. Aos 19 anos, Caroline hoje cursa neurociência e desenvolve um projeto de pesquisa sobre doença de Parkinson.
Segundo Lent, parcerias entre neurocientistas e professores permitiram o desenvolvimento de técnicas pedagógicas baseadas em estudos de neurociência e psicologia cognitiva, que melhoram a aprendizagem